Assim que consumido, um produto destinado
ao lixo passa por várias etapas. Seja de vidro,
plástico, ferro ou outro material reciclável, o
processo envolve muito mais do que um
simples reaproveitamento.
São catadores que têm a oportunidade de ter
as suas ‘vidas recicladas’, com a realização de
cursos industriais profissionalizantes, dos quais
futuramente esses empresários podem gerar
empregos, movimentando dessa maneira a
economia do país.
É este o exemplo da família Miguel, de
sobrenome curto, mas de uma ‘geração
enorme’, hoje com dois galpões de reciclagem
em Campo Grande. Em ambos, localizados no
bairro Piratininga, o escritório é pequeno, fica
escondido em meio ao amontoado de lixo. A
sede maior foi adquirida em 1989, após o
pagamento de dez notas promissórias,
guardadas até hoje como uma nobre relíquia.
Mas, a caminhada do genitor da família, já
falecido, teve início muito antes, em 1972,
quando ‘seu’ Marcelino entrou nesse ramo. E
quem conta essa história é o filho Roberto
Miguel, 53 anos, que desde os seis viu o pai
catando o lixo para sobreviver e alimentar os
filhos.
“Meu pai veio do Paraná com todas as
economias, em uma caravana com os quatro
irmãos. A promessa é de que aqui existiam as
terras férteis, então a intenção dele era plantar
e depois trazer toda a família. Na época,
comprou um hectare em Camapuã (município
a 135 quilômetros de Campo Grande), mas a
terra era grilada e se tratava de um golpe de
estelionato”, conta o filho.
De emprego em emprego, já na Capital, o Sr.
Marcelino Miguel viu uma pessoa catando
papelão na rua e pediu a ele um carrinho
emprestado. Começava aí uma trajetória de
sucesso que ele jamais imaginava. Com o 1°
salário, enviou uma carta a família, pedindo
para que vendessem tudo e se mudassem para
Mato Grosso do Sul.
“Meu pai catava papelão e, ao mesmo tempo,
limpava os locais. As pessoas que forneciam
começaram a ver a organização dele e então
sempre tinha aonde pegar o material. Só que
essas pessoas também davam frutas e estas
doações muitas vezes eram a nossa única
refeição. Até que o meu pai arranjou grandes
compradores e começou a ganhar melhor”,
relembra o empresário.
Vendo o esforço do Sr. Marcelino, que naquela
fase vivia com a família em um barracão, o
dono de um terreno no bairro Universitário,
cedeu a ele o espaço temporariamente. Esse
empresário vivia a maior parte do tempo na
Capital paulista.
“Todos os filhos trabalhavam muito e então
esse empresário disse que mudaria de vez para
São Paulo e nos ofereceu o seu galpão de
reciclagem. Parecia impossível. Mas o meu pai
conversou conosco e decidimos pagar
parcelado, com muito esforço. Assim que
pagamos a última prestação, meus pais nos
deixaram coordenando o local e foram
trabalhar em uma fazenda”, diz o empresário.
Após 44 anos de estrada, o casal retornou a
cidade, para visitar o carrinho e um dos
depósitos que hoje emprega mais de dez
recicladores. Infelizmente, pouco tempo
depois, eles foram executados por bandidos
durante um assalto. Mas, o legado aos filhos,
tempo nenhum pode apagar.
Vida ‘desejada’
Hoje, mais unidos do que nunca, os irmãos
possuem uma vida ‘desejada’. O trabalho
ocorre somente de segunda a sexta, conta com
dezenas de funcionários e caminhões para
transportar o que a família contabilizou,
somente em um dos galpões, como sendo ao
menos um bilhão de toneladas de materiais
reciclados enviados para indústrias de São
Paulo e do Paraná desde 1972.
“O processamento final de tudo o que
recolhemos tem de ser enviado para esses
Estados porque não há indústrias em Mato
Grosso do Sul. Com isso meu gasto mensal em
fretes varia de R$ 10 a 15 mil. E muitos
empresários já me disseram que não vêm para
cá por conta da dificuldade de isenção fiscal”,
conta o empresário.
Há cerca de 8 anos, ele disse que chegou a
visitar as instalações de uma indústria de
reciclagem no Indubrasil. “Seria bem melhor
por conta da distância, mas ela não chegou
nem a inaugurar, principalmente pela falta de
incentivos”, relembra.
Transformação: plástico ‘vira’ até roupa
antialérgica
Sobre o material enviado, ele se orgulha da
transformação. São papelões que ‘viram’
bobinas de papel e em seguida embalagens
para mudanças. Já a garrafa pet passa por um
processo e ganha a beleza de roupas
antialérgicas, além de cordas de seda para
amarrar cargas, caixas de bebidas e até peças
de carro. Por último as sucatas de ferro que,
ao serem fundidas, se tornam armários,
latarias de carro e até mesmo bijuterias.
A situação é contrária da moradora do bairro
Dom Antônio Barbosa, Solange Aparecida Silva,
29 anos, aluna da Fiems (Federação das
Indústrias de Mato Grosso do Sul). “Toda a
minha região é movimentada pela reciclagem,
então busquei o meu diferencial, uma
qualificação com a Fiems”, afirma Silva.
E, como a empresa saiu do trivial e foi até as
proximidades da sua casa, segundo Solange,
foi melhor ainda. “O curso foi realizado perto
da minha casa, então não tinha desculpa, era
só ter interesse. Estava adorando, só que com
o fim das aulas surgiu uma vaga como
doméstica e eu tive de aceitar para não ficar
desempregada”, afirma a ‘sempre’ estudante,
como se define.
Agora, com a ajuda do marido, ela procura um
emprego na sua área. “Meu currículo é o meu
diferencial aqui no Dom Antônio Barbosa,
onde a maioria das pessoas que conheço vive
da reciclagem, separando o lixo, então aguardo
a minha hora chegar”, fala Silva.
São histórias que realmente acontecem
enquanto o tempo passa. Como a do ‘seu
Marcelino’, que deixou um patrimônio para os
filhos criarem o seu rumo e até Solange, que
após a sua qualificação industrial ainda
aguarda a sua tão esperada hora.
segunda-feira, 25 de março de 2013
‘Vidas recicladas’: história de quem do lixo se transformou em um grande empresário
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