Uma denúncia anônima sobre "sonegação" de
provas, três semanas após o incêndio da
boate Kiss, levou a Polícia Civil e o Ministério
Público a encontrarem nos arquivos da
Prefeitura de Santa Maria (RS) uma caixa até
então desconhecida com uma série de
documentos da casa noturna.
A caixa continha um ofício que é considerado
pelos delegados como o "mais importante"
entre os papéis obtidos do município. O
arquivo trazia a informação de que, em 2009,
um arquiteto da prefeitura apontou quase 30
falhas de estrutura que deveriam ser
corrigidas na boate. Ainda assim, diz a polícia,
a administração municipal concedeu licenças
para o estabelecimento.
A informação está no relatório do inquérito
policial sobre a tragédia, que matou 241
pessoas em janeiro. A investigação foi
concluída na sexta-feira (22) e agora está sob
análise da Promotoria.
O relatório da polícia diz que foi "digna de
nota" a dificuldade de obter todos os papéis
no município. Segundo o inquérito, dois dias
depois do incêndio, a polícia judiciária
intimou a prefeitura a encaminhar aos
investigadores "todos" os documentos
relativos à boate.
No entanto, diz a polícia, a íntegra só foi
obtida com a denúncia anônima. Segundo o
relatório policial, o denunciante forneceu
informação verossímil, que acabou sendo
confirmada na busca.
Os delegados, porém, não responsabilizaram
nenhum agente público pelo fato. Em outra
parte do inquérito, a polícia acusou dois
bombeiros de cometer fraude processual após
o incêndio ao adulterar documentos da boate
para esconder falhas.
Procurada pela reportagem, a prefeitura
negou que tenha ocorrido "sonegação" de
documentos municipais. Disse que os papéis
citados pela polícia estavam em um
departamento diferente dos demais e que o
prefeito Cezar Schirmer (PMDB) ordenou
"desde o primeiro momento" que todos os
secretários repassassem informações sobre o
caso de modo transparente.
PREFEITO
O inquérito também afirma que o prefeito
Schirmer foi omisso e tinha conhecimento dos
problemas de licenciamento da boate.
O relatório diz que, em 2011, o Ministério
Público "oficiou" o prefeito solicitando
licenças da casa noturna, dentro de um
inquérito que estava em andamento na
Promotoria.
O município respondeu enviando uma
autorização que estava vencida havia seis
meses. No depoimento de três páginas do
prefeito, os delegados sublinharam 16 vezes a
expressão "não sabe" ou "desconhece" sobre
perguntas feitas.
Mais adiante, concluem que ele "sabe muito
pouco do funcionamento da prefeitura quanto
às questões de estabelecimentos que
dependem de autorização municipal".
Schirmer está entre as 28 pessoas listadas pela
polícia com algum tipo de responsabilidade
pela tragédia. Dessas, 16 já foram indiciadas.
Como o prefeito tem foro privilegiado, o
inquérito será remetido ao Tribunal de Justiça
do Rio Grande do Sul.
Na última sexta-feira, o prefeito atribuiu as
conclusões da polícia a uma "disputa política"
e questionou a isenção de um órgão estadual
para a investigação. O peemedebista é um
antigo adversário do governador Tarso Genro
(PT).
Schirmer classificou o inquérito como uma
"aberração jurídica".
INCÊNDIO
O incêndio ocorreu no dia 27 de janeiro e
provocou 241 mortes. Centenas de
sobreviventes ficaram feridos, incluindo cerca
de 140 que precisaram ser hospitalizados.
O fogo começou por volta das 3h, quando um
integrante da banda Gurizada Fandangueira,
que fazia um show no local, acendeu um
artefato pirotécnico. Faíscas atingiram uma
espuma usada como revestimento acústico,
que começou a queimar. Uma espessa fumaça
preta tomou conta de todo o ambiente da
casa noturna em poucos minutos, intoxicando
os frequentadores.
Desde o dia seguinte à tragédia, estão presos
os sócios da boate Mauro Hoffmann e
Elissandro Spohr, o vocalista da banda
Marcelo Jesus dos Santos e o produtor
Luciano Bonilha Leão.
O inquérito será levado ao Ministério Público,
que vai analisar as provas e decidir se
denuncia (acusa formalmente) os suspeitos à
Justiça.
segunda-feira, 25 de março de 2013
Prefeitura ocultou documentos sobre a boate Kiss, diz inquérito
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