sexta-feira, 8 de março de 2013

Benefícios sociais fazem nordestinas terem "independência" financeira e impulsionam divórcios

O pagamento de benefícios sociais Bolsa
Família tornaram as mulheres nordestinas
mais independentes e, por sua vez, menos
necessitadas de manter casamentos
exclusivamente para garantir renda e
sustentar os filhos. Essa é a opinião de
professores que estudam o lado social e o
comportamento feminino de comunidades
pobres da região.
Nos últimos anos, o Bolsa Família tem sido
apontado como um fator "encorajador" às
mulheres a buscarem separação. Antes, por
conta da dependência financeira dos maridos,
muitas mulheres largavam mão do trabalho
para cuidar dos filhos e se tornavam "reféns
financeiras' do marido. Hoje, sete milhões de
famílias nordestinas recebem o benefício,
quase todos sendo tutelados por mulheres.
A independência financeira é apontada como
fator decisivo na hora da separação. Segundo
a pesquisa do Registro Civil 2011, do IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatísticas), o número de separações é
sempre maior nos Estados mais ricos. Distrito
Federal, São Paulo e Santa Catarina, por
exemplo, têm taxas anuais de divórcio de 4,8,
3,4 e 3 por mil casamentos, respectivamente.
Já as menores taxas estão nos Estados mais
pobres: Maranhão (1,1) e Piauí (1,4)
apresentam as menores taxas. No país, a
média é de 1,6 divórcio por cada mil.
Apesar dos menores índices, é nos Estados
mais pobres que o índice de divórcios mais
cresceu proporcionalmente nos últimos anos.
No Maranhão, por exemplo, o índice
aumentou 175% entre 2009 e 2011, saltando
de 0,4 por mil para 1,1. Em Alagoas, a taxa
também mais que duplicou, saltando de um
para 2,4 por mil casamentos. Ceará e Piauí
também viram seus índices duplicarem em
dois anos.
Impulso
O impulso dado as separações é relatado no
estudo "Ações de transferência estatal de
renda: o caso do Programa Bolsa Família", da
antropóloga Walquíria Leão Rego, do Instituto
de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp
(Universidade Estadual de Campinas). Para ela,
o programa produziu uma "mudança
significativa, observável a olho nu" na vida de
mulheres beneficiadas.

No estudo, a antropóloga cita como exemplo
as entrevistas com mulheres no sertão de
Alagoas. Walquíria cita um caso que chamou
atenção: "Refiro-me ao caso de uma mulher
que conseguiu separar-se do marido que a
maltratava. Livrou-se dos maus tratos graças,
em grande parte, a este início de
independência econômica."
O exemplo é de Quitéria Ferreira da Silva, 34,
casada e mãe de três filhos. Em entrevista à
antropóloga, ela primeiramente se negou a
falar sobre o momento de seu casamento, em
2006. Um ano depois, após ser inscrita no
Bolsa Família, teve coragem de separar e
passou a usar a renda do governo para
sustentar os filhos.
Na pesquisa, a antropóloga relata que há um
"consenso generalizado entre as mulheres"
sobre a "avaliação positiva do programa de
renda familiar e a consciência da
superioridade feminina no quesito da
responsabilidade maior na gestão da
economia doméstica."
Apesar da aprovação, as mulheres citam que o
valor repassado é insuficiente. "[Elas]
Reivindicam mais renda diante da ausência
quase absoluta de perspectiva de empregos
regulares. Seu horizonte de expectativas é
reduzido, simples. Apenas querem ter acesso a
uma vida mais digna, habitações melhores do
que seus miseráveis casebres, normalmente
mal iluminados, mal ventilados e exíguos para
abrigar toda a família", aponta.
Independência
Com as separações cada vez mais comuns
entre os casais nordestinos, exemplos não
faltam de mulheres que se separaram,
recebem benefício do governo federal e
deixam de contar com as pequenas pensões
como única renda para sustento dos filhos.
Com três filhos de pais diferentes, Veroneide
da Silva, 25, manteve união estável de 10
meses com o pai de seu filho mais novo --
Alexandre, dois meses. Sem saber o paradeiro
do ex-companheiro, a mulher, que mora em
Murici (a 51 km de Maceió) afirma que o
benefício do governo federal é determinante
para o sustento mínimo de seus filhos.

"O Bolsa Família ajuda muito, pois recebo R$
134 por mês, que é mais que o dinheiro
repassado pelos pais dos meus dois filhos [que
pagam entre R$ 40 e R$ 50 de pensão]. Minha
mãe também ajuda, porque mesmo com a
ajuda do governo, é pouco", disse, citando
que o motivo da separação foi que o ex-
companheiro "não queria trabalhar." "Ela
botou ele pra fora por isso, e está certa",
gritou uma vizinha, durante a entrevista .

Elisângela Maria da Silva, 24, também é
separada e desempregada. Sem o dinheiro do
marido, do qual se separou há seis anos, ela
conta que --após ser deixada pelo então
companheiro-- deu entrada com pedido do
Bolsa Família e sobrevive com o dinheiro
repassado pelo governo federal em Rio Largo
(na região metropolitana de Maceió).
"Tenho quatro meninos [entre um e nove
anos] e depois que me separei isso passou a
ser a única fonte de renda que tenho, fora a
ajuda dos pais dessas crianças. O pai da
última criança não ajuda com nada, e se não
fosse o Bolsa Família, teria que me virar
sozinha", conta a mulher, que ainda recebe R
$ 100 de pensão do ex-marido.
Programa "feminista"
O professor de economia regional da UFAL
(Universidade Federal de Alagoas), Cícero
Péricles Carvalho, explica que, além de dar
condições financeiras às mulheres, o Bolsa
Família influenciou também diretamente na
vida cotidiana da parcela feminina de pobres
do Nordeste. Isso ocorre porque, segundo as
diretrizes do programa, a renda do programa
vai prioritariamente para as mulheres.
"Isso é explicado pela prática de vida: elas são
mais comprometidas com os filhos, têm
menos vícios, como alcoolismo, e gastam
esses poucos recursos com mais sabedoria,
principalmente no tocante à alimentação",
disse.
Para explicar a "independência" pós-
separação, Carvalho cita que, com o Bolsa
Família, "milhões de mães de família estão
recebendo, pela primeira vez, algum tipo de
renda mínima." No Nordeste, o repasse médio
mensal do programa às mulheres é R$ 150,
segundo dados de dezembro de 2012.
Ainda segundo Carvalho, as mudanças com a
renda federal vão desde a melhoria na
alimentação doméstica, até uma maior
independência dos maridos e companheiros.
O professor afirma que ainda há uma cultura
machista que impera na região.
"No Nordeste, devido ao seu atraso social,
apesar das mulheres serem maioria, com dois
milhões a mais que homens, a predominância
de valores conservadores faz com que o papel
social da mulher seja sempre secundário. Por
isso, o acesso a renda do Bolsa Família, mais
a possibilidade de colocar os filhos na escola
e ter acesso a saúde pública, ampliando as
possibilidades de trabalho, modificam um
pouco a relação interna familiar, abrindo
perspectivas para esse conjunto pobre que
vive nas periferias das cidades ou no campo
nordestino", explicou.

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