domingo, 26 de maio de 2013

Fui torturada em 1970 e denunciei o coronel Ustra, diz Bete Mendes

RESUMO Presa e torturada em
1970, a atriz Bete Mendes
encontrou o coronel Brilhante
Ustra numa viagem ao Uruguai
em 1985. Ela era deputada
federal, e ele atuava na
embaixada em Montevidéu. Na
volta, ela denunciou Ustra ao
presidente Sarney. Aos 64, a atriz
diz não temer retrocessos, mas
pede atenção aos movimentos
contra a democracia.
Fui presa duas vezes. Na
primeira, não fui torturada
fisicamente. Na segunda, foi
total. Fui torturada [em 1970] e
denunciei [o coronel Carlos
Alberto Brilhante Ustra]. Isso me
marcou profundamente. Não
desejo isso para ninguém --nem
por meus inimigos. A tortura
física é a pior perversidade da
raça humana; a psicológica, idem.
Não dá para ter raiva [de quem
me torturou]. A gente é tão
humilhado, seviciado,
vilipendiado que o que se quer é
sobreviver e bem. Estou muito
feliz, sobrevivi e bem. E não
quero mais falar desse assunto.

Superei isso com tratamento
psicológico e com trabalho.
Agradeço à família, à classe
artística, aos amigos que foram
meu alicerce.
Carlos Zara me convidou para
fazer a novela "O Meu Pé de
Laranja Lima", e isso me salvou.
Continuei o trabalho artístico, fui
fundadora do PT, fui deputada
federal duas vezes e secretária da
Cultura de São Paulo.
Comecei a fazer teatro e cantar
com seis anos de idade. Com oito
já participava de manifestações de
alunos. Era do grêmio do colégio,
depois fui para o diretório da
faculdade. Em bibliotecas
públicas ou pegando livros
emprestados lia tudo: Rousseau,
Marx, Mao, Lênin, Gorki,
Aristóteles. Depois, adotei o
codinome de Rosa em
homenagem a Rosa Luxemburgo.
VAR PALMARES
Na adolescência escrevi textos de
peças de teatro. Quando fui
presa, eles levaram esses textos.
Achavam que eles eram prova de
crime, que depunham contra
mim. Nunca mais os recuperei.
Era coisa tão pouca, boba,
pessoal.
Quando fecharam as portas à
democracia, me senti usurpada,
revoltada, aprisionada. Achei que
a única saída era entrar numa
organização revolucionária contra
a ditadura militar. Entrei na VAR-
Palmares. Fizemos aquela opção.
Foi certa, errada? É difícil julgar
hoje.
A minha visão era a revolução
socialista: tirar poder dos
militares, dos opressores, do
capitalismo selvagem. Deixar a
gente governar para o bem de
todos, com todos participando.
Eu tinha 18, 19 anos e achava
que podia fazer tudo. Não tinha
consciência do risco imenso que
estava correndo. Era atriz de uma
novela que explodia no Brasil,
"Beto Rockfeller", estudava
ciências sociais na Universidade
de São Paulo e participava de
uma organização clandestina
revolucionária. Aí deu zebra.
O medo era a pior coisa que a
gente sentia na época.
Historicamente tem que se
reconhecer que nós entramos
numa ditadura muito mais pesada
do que foi dito no passado. Isso
vai sendo desdito atualmente pela
Comissão da Verdade.
Hoje não tenho medo de
retrocesso, mas é preciso prestar
atenção em manifestações como
de movimentos nazistas em vários
países e no Brasil. Por exemplo?
O coronel Brilhante Ustra faz
parte desse movimento. Ele tem
um site. Há jovens fazendo
movimento nazista.
DEMOCRACIA
É um receio. É preciso ser
cauteloso em relação a
movimentos que podem ser
prejudiciais ao avanço
democrático. Mas impedir jamais,
porque a gente legitima a
manifestação de todos, de
opiniões diversas. É preciso
cuidar da democracia para que
esses movimentos não cresçam.
Sou política como qualquer
cidadão. Sou cidadã, atriz,
socialista. O socialismo se
constrói todo dia. Não temos o
modelo socialista do passado,
mas a gente constrói um novo.
Quero continuar trabalhando
como atriz e viajar mais. Poder
viver essa democracia até morrer.
Sonho político? Que o trabalho
escravo acabe no Brasil.
Estou aqui viva e feliz. Minha vida
é muito efervescente. Emendei
três trabalhos na televisão. Faço o
que eu gosto: ser atriz. Não
vamos ficar presos no passado. O
que eu tinha que dizer disse com
todas as letras na época. "Revival"
não tem sentido. Meu assunto
hoje é [a novela] "Flor do
Caribe".
Problema de audição? Tenho. É
que eu fui torturada. [Fica com os
olhos marejados]

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