terça-feira, 23 de abril de 2013

COB e CBF seguem a gastar mais com burocracia que com esporte

Em 2012, as duas maiores instituições
esportivas do Brasil, CBF (Confederação
Brasileira de Futebol) e COB (Comitê Olímpico
Brasileiro), ganharam, somadas, mais de $ 513
milhões. Caso o número não impressione, é só
olhar para a maneira como esse dinheiro é
usado para ver que, além do poder, as duas
dividem também uma preferência: o gasto em
itens de burocracia.
Após a divulgação dos balanços financeiros
anuais das duas entidades, o UOL Esporte pediu
que dois especialistas em gestão esportiva
fizessem uma análise sobre os números
apresentados. E as duas conclusões foram
parecidas: tanto CBF, quanto COB arrecadam
muito e não entregam o suficiente para
fomentar o esporte no Brasil.
“Essess valores são fruto da valorização das
entidades por conta de Copa do Mundo e Jogos
Olímpicos. Se fizermos a análise dos últimos
anos, desde 2008 a CBF tem conquistado novos
negócios. O mesmo acontece com o COB, que
após a escolha do Rio aumentou o
faturamento, especialmente a partir de 2011. O
que acontece é que as duas entidades são talvez
as mais ricas do mundo ao lado de Fifa e COI
(Comitê Olímpico Internacional). Isso só
acontece porque a indústria do esporte no
Brasil ainda é fraca. O grosso do investimento
concentra nas entidades nacionais, quando nos
outros mercados a verba é mais pulverizada
para atletas, clubes, etc”, fala Erich Beting,
blogueiro do UOL e especialista em negócios do
esporte.
Muito dinheiro para quem manda no esporte
A notícia não é nova, mas os números de 2012
comprovam que as duas principais entidades
esportivas brasileiras estão muito bem quando
o assunto é geração de receitas. No COB, o
aumento da arrecadação, em relação a 2011,
foi de quase 22%, pulando de R$ 110 milhões
para R$ 134 milhões. Na CBF, as cifras
impressionam ainda mais: de R$ 310 mi para
os atuais R$ 381,2 mi – o aumento foi similar
ao do COB.
A diferença fica por conta da origem das
receitas. Enquanto nos esportes olímpicos, 70%
da arrecadação chega de verbas públicas
(principalmente da Lei Piva, que destina parte
do dinheiro das loterias), o futebol é bancado
por patrocinadores. “O investimento em
esporte no Brasil ainda é visto de forma muito
baseada em exposição. Isso faz com que o
COB, por não representar o futebol, precise
mais da verba pública. Logicamente é cômodo
hoje ter tanto dinheiro vindo de entes públicos.
E isso mostra uma certa acomodação do COB
em buscar empresas privadas. Ou a própria
dificuldade que essas empresas têm em
enxergar negócio além da exposição maciça da
marca”, fala Beting.
A opinião é parecida com a de Fernando
Ferreira, da Pluri Consultoria, também
especializada em esporte. "Repasses e verbas
carimbadas são um sinal de dificuldade em se
oferecer alternativas de negócios que sejam
atraentes para a iniciativa privada. Tem relação
direta com baixo nível de qualidade na gestão,
além de perpetuar um modelo de relações
políticas que ajuda a manter o esporte em um
patamar sofrível. MMA e Rugby são exemplos
de como se pode tornar um esporte atraente
para investidores e com isso alavancar seu
crescimento".
O bom resultado da CBF, por outro lado, é
resultado de uma tática de busca pelo mercado
global com a seleção brasileira – a mesma
entidade, porém, tem normas restritivas para
que seus clubes filiados façam o mesmo. O
maior exemplo disso é que, para que um time
brasileiro faça excursões no exterior,
necessárias para que o clube seja conhecido
fora das fronteiras, é preciso, além de
encontrar uma brecha no calendário lotado do
esporte nacional, obter autorização da CBF.
“A CBF fatura muito, graças à valorização do
futebol brasileiro e a força de nossos clubes. A
marca é a única global do nosso futebol. E o
modelo é único no mundo, já que nas
principais ligas da Europa os clubes são
infinitamente superiores às confederações. São
marcas muito mais globalizadas”, diz o
especialista Amir Somoggi, consultor em gestão
e marketing esportivo, responsável pelos
números usados na matéria. “A CBF arrecada R
$ 235,6 em patrocínios. Isso mostra como é
possível arrecadar muito com quem está
interessado em uma marca global do futebol.
Os clubes estão muito abaixo, porque vivem do
mercado local apenas”.
Com isso, é válida a comparação das
arrecadações das duas entidades com os clubes
de futebol, que vivem uma explosão em suas
receitas nos últimos anos. Se a CBF fosse um
deles, seria líder da lista de mais ricos – em
comparação com os balanços de 2011 dos
clubes, a confederação ganhou mais de 30% a
mais do que o Corinthians, atualmente o clube
que mais arrecada por aqui. O COB também
apareceria na lista de mais ricos, no 10º lugar,
à frente de clubes tradicionais como Cruzeiro,
Atlético-MG e Fluminense – e pouco abaixo de
Palmeiras, Grêmio e Vasco da Gama.
Modelo gera burocratização
Outra tendência que os balanços comprovaram
é a enorme dependência das duas entidades em
gerar gastos em burocracia para sua
manutenção. Uma olhada no balanço do COB é
ideal para entender esse modelo. A entidade
lista R$ 4,305 milhões em salários e encargos
trabalhistas. O valor é superior ao repasse,
listado no balanço, destinado a quase todas as
confederações esportivas nacionais. A única
exceção é a de handebol, que recebeu 4,383
milhões.
Em uma categoria chamada de custeio próprio,
o COB gastou R$ 35,6 milhões em 2012. Esse
item engloba despesas administrativas e custos
salariais. O valor é significativo, principalmente
quando se olha o repasse total para as
modalidades, principal função da Lei Piva, que
destina 2% das verbas arrecadadas com loterias
federais ao esporte: R$ 45 milhões são
repassados para as confederações, um aumento
de 9% em relação ao ano anterior. Além disso,
os custos com consultorias e serviços de
terceiros também são altos, chegando a R$
10,4 milhões em 2012.
Na CBF, o quadro é parecido. As duas maiores
despesas da entidade são administrativas (R$
73,5 milhões) e com pessoal (R$ 50,6 mi).
Tirando o item em terceiro lugar da lista de
gastos, competições (R$ 44,1 mi), os dois
seguintes também são burocráticos, com
serviços de terceiros (R$ 24,9 mi) e impostos
(R$ 64,9 mi).
Pelo menos no caso do COB, essa “taxa de
administração” é uma tendência da Era
Nuzman: desde que Carlos Arthur Nuzman foi
eleito presidente, foi criado um modelo de
gestão que gasta em burocracia muito mais do
que era originalmente previsto.
Quando a legislação foi criada, em 2001, a
ideia era usar 60% da verba restante com as
confederações, separar 10% para a criação de
um fundo de reserva e ficar com apenas 30%
para administração. Mas, de 2001 a 2011, o
COB ficou, em média, com 43,5% do que
recebeu. Esse dinheiro é gasto de diferentes
formas, desde participações em competições
esportivas até o investimento em projetos
ousados, como as candidaturas do Rio de
Janeiro para receber as Olimpíadas de 2012 e
2016.
O total destinado às confederações (que não
inclui a CBF) variou, no período, de 79,2% em
2002 a 42,6% em 2007, ano em que os Jogos
Pan-Americanos do Rio consumiram o
orçamento do COB. Em 2012, essa
porcentagem foi de 49%.
As críticas dos especialistas
Com esse cenário pintado, os especialistas
ouvidos pela reportagem tem críticas para as
duas entidades. “Com um faturamento deste
tamanho, o COB deveria fomentar muito mais o
esporte, aumentando os repasses para as
confederações. Olhando esses números, acho
que o COB precisa sofrer um choque de gestão
para reduzir suas despesas de custeio”, diz
Somoggi.
“A CBF também estimula muito pouco o futebol
brasileiro, embora seja essa uma de suas
atribuições. Ela não promove as competições,
não desenvolve aquelas que são deficitárias e
dificulta que os clubes se fortaleçam, já que
são obrigados a jogar em um calendário
caótico, sem potencial comercial. Os clubes
acabam ficando muito restritos em termos de
crescimento”, analisa. “Parte deste recurso
poderia ser usado para alavancar o futebol
brasileiro, desenvolver pesquisas, criar
mecanismos de fomento ao futebol base,
ciências do esporte... Acredito que se os clubes
se estruturarem e conseguirem expandir suas
marcas, vão superar a CBF em arrecadação,
atraindo os grandes patrocínios que hoje estão
com a seleção”, completa.
A visão de Beting é parecida. “Hoje, por
incrível que possa parecer, o artista é quem
menos fatura. A fatia da verba das empresas
que vai para os atletas é a menor entre tudo o
que se investe no esporte no país. Em locais
com a indústria mais desenvolvida, o atleta é
uma ponta forte da indústria. Ele tem
patrocínios pessoais, salários altos e fica com
boa parte do bolo de investimentos. No Brasil,
o atleta ainda se vê como o ‘coitado’,
reclamando da falta de incentivo sem perceber
que o dono do show é ele, e que tem de fazer
jogo duro para faturar mais”, afirma. “Com a
ponta que deveria ser a forte enfraquecida, e
com uma estrutura esportiva enraizada nas
federações e clubes, o esporte direciona a
verba para o topo da pirâmide. E isso gera uma
distribuição desigual de receita. As entidades
representativas de classe, que são a ponta final
de toda a indústria, recebem os melhores
patrocínios. Depois estão os clubes, também
com uma distribuição desigual, com muita
verba para poucos. E, por fim, estão os atletas,
que raramente ganham mais do que o salário”.
Outro componente que deve ser levado em
conta é o lucro - lembrando que nenhuma das
duas entidades deveria ter essa função. E nesse
quesito, a CBF está muito à frente. "Se
considerarmos que o futebol representa de 50
a 55% do PIB do Esporte, o faturamento do
COB deveria ser ao menos próximo da CBF e
não menos de 40%, como é hoje. A
rentabilidade dos dois também é diferente. O
superávit da CBF (R$ 55,6 milhões) equivale a
17,3% de seu patrimônio líquido ou 15,4% da
receita bruta É nível de rentabilidade de
Banco", alerta Ferreira. "Entidades como o COB
têm, ainda, um componente político sempre
muito forte e não colocam em seu objetivo
principal a eficiência. Acaba criando, assim,
espaço para manutenção de estruturas pouco
eficientes e caras em relação ao resultado que
produzem", completa.

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