A equipe de médicos montada pelo MPE
(Ministério Público Estadual) tem "fortes
suspeitas" de que pelo menos 100 pacientes
foram assassinados na UTI (unidade de terapia
intensiva) geral comandada pela médica
Virginia Helena Soares de Souza no Hospital
Evangélico, o segundo maior de Curitiba. A
junta médica analisa os prontuários de 300 de
pacientes que morreram na unidade.
O rol de três centenas de prontuários foi
triado a partir de outro, maior, que continha
pelo menos 1.000 documentos relativos a
todos os pacientes que morreram na UTI do
Evangélico entre 2006 –-quando Virginia
tornou-se diretora médica-– até 19 de
fevereiro de 2013, quando ela foi presa pela
polícia por suspeita de "antecipar óbitos".
De acordo com a equipe, os pacientes teriam
sido mortos com o uso de medicamentos
anestésicos e relaxantes musculares
combinados com a redução da ventilação
mecânica
A médica aguarda em liberdade julgamento
por sete homicídios duplamente qualificados e
formação de quadrilha, crimes pelos quais foi
denunciada pelo MPE.
A fonte não soube afirmar se prontuários são
dos mesmos pacientes que receberam as 346
prescrições da combinação entre um
relaxante muscular e um anestésico assinadas
por Virginia, cuja análise a Polícia Científica
entregou ao MPE na semana passada.
No relatório, a polícia afirma que os pacientes
morreram no mesmo dia da aplicação dos
medicamentos em 91,6% dos casos –
percentual sete vezes superior ao dos outros
médicos que atuavam na UTI.
Boletins de ocorrência
Dos 300 prontuários separados pelos médicos
para a análise final, constam os de pacientes
cujos familiares foram à polícia registrar
boletins de ocorrência contra Virginia, por
suspeitarem da conduta da médica. Também
estão ali todos os documentos de pacientes
citados em conversas interceptadas pela
polícia entre Virginia e outros médicos da
equipe médica.
Em comum, os casos que despertam suspeitas
têm o uso dos medicamentos pancurônio
(relaxante muscular) e propofol ou
thionembutal (anestésicos), seguido da
redução da ventilação mecânica. Segundo
médicos, o uso do pancurônio requer
ventilação mecânica reforçada, pois torna o
paciente incapaz de respirar naturalmente. Em
UTIs, o medicamento é útil em casos em que
o médico deseja usar exclusivamente o
respirador artificial.
"O pancurônio deve ser usado em doses
contínuas, gota a gota. Nos prontuários,
verificamos que na UTI do Evangélico a dose
ele era aplicada de uma só vez. O
thionembutal, um anestésico, há anos é
pouco usado em UTIs, mas aparece com
frequência nos prontuários da equipe de
Virginia. E esses remédios eram usados em
dosagem padrão, o que é absurdo – a dose
deve ser calculadas de acordo com o peso,
tamanho e idade do paciente", relata um dos
participantes do grupo que trabalha no MPE.
Novo inquérito apura mais 21 mortes
A mesma equipe de médicos já concluiu que
há indícios de homicídio em outros 21 casos
suspeitos. O MPE pediu à polícia para que
abrisse novo inquérito para investigá-los em
11 de março, mesmo dia em que denunciou
Virginia e outros quatro médicos, três
enfermeiros e uma fisioterapeuta à Justiça.
A polícia confirmou que o inquérito foi
aberto, mas não deu detalhes sobre seu
andamento, porque o caso está sob sigilo
determinado pela Justiça.
Outro lado
"A mim, a doutora Virginia disse que tudo o
que fez são atos médicos, fundamentados na
literatura. Por isso, nenhum prontuário me
preocupa. Confio na palavra dela", disse o
advogado Elias Mattar Assad, que defende a
médica na Justiça.
O advogado disse, na semana passada, que se
prepara para rebater todas as acusações do
MPE. Nesta segunda, ele voltou a criticar a
investigação que prendeu sua cliente. "Minha
indagação é por que não fizeram tudo isso
antes de tornar pública a investigação, de
levar Virginia à prisão e execrá-la
publicamente? Por que agora, depois de tudo
isso, é que se buscam provas? Então antes não
havia provas?", questionou.
O caso
Virginia foi presa em 19 de fevereiro. Com a
detenção dela, veio a público investigação
policial de quase um ano sobre possíveis
homicídios na UTI do Evangélico.
Em 11 de março, o MPE ofereceu denúncia à
Justiça oferecer denúncia contra Virginia (por
sete homicídios duplamente qualificados), os
médicos Anderson de Freitas (dois homicídios
duplamente qualificados), Edison Anselmo da
Silva Junior e Maria Israela Cortez Boccato e
as enfermeiras Laís da Rosa Groff e Patrícia
Cristina de Gouveia Ribeiro (um homicídio
duplamente qualificado cada).
Todos, além do enfermeiro Claudinei Machado
Nunes e da fisioterapeuta Carmencita Emília
Minozzo, também irão responder por
formação de quadrilha.
No dia 15, a Justiça acatou a denúncia,
transformando os denunciados em réus, mas
determinou a soltura de todos os suspeitos
presos, à exceção de Virginia. Ela teve a
liberdade decretada apenas no dia 20, a
pedido da defesa, após passar 30 dias detida.
No dia 25, o MPE recorreu, mas o juiz Daniel
Surdi de Avelar, da 2.ª Vara do Tribunal do
Júri de Curitiba, manteve a médica em
liberdade. Agora, aguarda-se pronunciamento
do TJ (Tribunal de Justiça do Paraná) a
respeito.
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