O julgamento de 26 policiais militares
acusados de participação no massacre do
Carandiru, há pouco mais de 20 anos, em São
Paulo, entra na reta final a partir desta sexta-
feira (19). Além do depoimento de quatro dos
24 réus que compareceram ao júri --uma vez
em liberdade, não são obrigados a
comparecer --, são previstos também os
debates entre defesa e acusação e que
antecedem a reunião do Conselho de Sentença
na qual será analisado o veredito.
O júri acontece desde a última segunda-feira
(15) no Fórum Criminal da Barra Funda (zona
oeste de SP), onde os jurados estão alojados e
incomunicáveis. Um deles teve um mal-
estar antes de os trabalhos serem iniciados,
na quarta-feira (17), e a sessão teve que ser
suspensa durante todo o dia. O jurado foi
avaliado por uma junta médica do TJ-SP
(Tribunal de Justiça de São Paulo) e só foi
liberado para continuar no júri ontem no
início da tarde, quando a sessão foi
retomada por volta das 15h.
Os réus seriam interrogados ainda ontem,
após a leitura de peças do processo e a
exibição de vídeos pela defesa e acusação.
Como o jurado convalescente precisou de
pequenas interrupções por conta do mal-
estar, o juiz José Augusto Marzagão decidiu
interromper os trabalhos, por volta das
18h40, para retomada hoje cedo.
Antes, o próprio Ministério Público já havia
desistido de "grande parte" da leitura de
peças --partes do processo não expostas
durante os depoimentos de testemunhas, por
exemplo --, conforme a reportagem apurou, a
fim de agilizar a sessão e possibilitar que réus
pudessem ser ouvidos ainda ontem.
Na segunda e na terça, ao todo, 11
testemunhas de acusação (cinco) e defesa
(seis) depuseram, entre as quais, sobreviventes
do massacre, por parte da promotoria, e o ex-
governador de São Paulo, Luiz Antonio Fleury
Filho, pelos PMs.
Reta final do júri
Um acordo entre defesa e acusação definiu
não apenas o número de réus a ser
interrogado, como o tempo para os debates.
Em vez do tempo usual de uma hora e meia
para cada parte, além de uma hora de réplica
e uma de tréplica, no júri do Carandiru o
acordo foi para que sejam três horas para
cada, na fase de exposições, e de duas horas a
defesa e duas a acusação caso queiram fazer
uso de réplica e tréplica. A justificativa é o
número elevado de réus --26, que respondem,
em conjunto, pelo assassinato de 15 presos
do segundo pavimento do pavilhão 9, prédio
em que ocorreram todas as 111 mortes do
massacre.
Após os debates, o Conselho de Sentença se
reúne para analisar cada um dos quesitos a
cada item da denúncia da promotoria. Se
condenado, cada réu pode ser punido com
pena que vai de 12 a 30 anos de prisão, com
a possibilidade de ela ser multiplicada pelo
número de vítimas.
Acusação exibe vídeos de violência policial
a jurados
Ontem, na exibição de vídeos , acusação e
defesa já deixaram clara ao menos parte das
linhas de frente em que cada uma atuará nos
debates.
Nos 30 minutos de material compilado, a
promotoria elencou ainda quase uma dezena
de reportagens em que a ação da PM em
vários Estados –entre os quais São Paulo e Rio
–foi explicitamente excessiva, graças a
imagens de câmeras escondidas que
flagraram, nesses casos, condutas de policiais
diante de vítimas que não ofereciam
resistência, tais como menores de idade ou
adultos desarmados e rendidos.
O encerramento foi com a exibição de
reportagem sobre o caso "Favela Naval", que,
em março de 1997, chocou o país ao mostrar
PMs em Diadema (Grande SP) em ações de
extorção, espancamento e execução durante
uma blitz na favela Naval. As imagens haviam
sido gravadas por um cinegrafista amador e
instruíram o processo no qual então PM
Otávio Lourenço Gambra, o "Rambo", seria
anos mais tarde condenado.
No caso do Carandiru, uma das teses dos
promotores é que os presos assassinados na
ação policial não tinham condições de reagir
ao forte armamento usado, na ocasião, pelos
mais de 330 policiais da Tropa de Choque da
PM que entraram no presídio.
Os vídeos levados ao telão pela acusação
continham ainda reportagens com
depoimentos de familiares de vítimas e de
sobreviventes do massacre e imagens dos
corpos no presídio e em caixões, no IML
(Instituto Médico Legal), à época.
Defesa explora ataques do PCC em 2006
Já a defesa dos réus optou pela exibição do
documentário "São Paulo sob ataque", sobre
os ataques comandados pelo PCC (Primeiro
Comando da Capital), na cidade, em maio de
2006. A produção, feita com atores e
depoimentos de autoridades de Segurança
Pública da época, enfatizou não só o medo
imposto ao cidadão, que viu a própria rotina
transformada pelos ataques, como as dezenas
de policiais assassinados pelos criminosos.
Para a defesa e mesmo para a acusação, a
criação do PCC tem relação com o massacre
dos presos, já que o surgimento ocorreu no
ano seguinte ao episódio no presídio, que é
citado no estatuto do PCC.
O caso chegou a ser questionado pela
defesa ao ex-governador Fleury durante
depoimento dele no júri, na terça. Para
Fleury, no entanto, fazer a relação entre o
massacre e a criação da facção "é glamurizar
o PCC".
Corpo de jurados jovem e masculino
O corpo de jurados sorteado para este júri é
bem diverso daquele da semana passada,
quando o julgamento teve que ser adiado
antes mesmo de serem ouvidas as primeiras
testeminhas. Na ocasião, uma jurada passou
mal, teve que ser dispensa e o Conselho de
Sentença precisou ser dissolvido. Ali, eram
cinco mulheres e dois homens e de idades
aparentemente mais diversas.
Entre os sete jurados sorteados esta semana,
só há uma mulher. A maioria dos jurados,
além disso, aparenta ter entre 20 e 30 anos
de idade.
Acusações, mortes e prescrições ao longo
das décadas
Ao todo, o MP havia acusado pelas 111
mortes 84 policiais militares, dos quais cinco
já morreram --o mais célebre, o comandante
da operação, coronel Ubiratan Rodrigues,
assassinado em São Paulo no ano de 2006.
Como, além dos mortos, a ação da PM deixou
ainda 87 presos feridos, parte dos acusados
pelos homicídios respondia também por
crimes de lesão corporal –dos quais 86 já
prescreveram, em caso de lesão leve, e uma
ainda é vigente, por ser lesão grave.
Sobre os 26 PMs que vão a júri nessa primeira
etapa, porém, pesam apenas as acusações de
homicídio qualificado, com penas que podem
variar de 12 a 30 anos de prisão. Como são
réus soltos, há a possibilidade legal de que,
em caso de condenação, recorram em
liberdade.
Do grupo, oito ainda estão na ativa, alguns
com promoções; o restante é ex-policial ou
foi para a reserva.
Mais júris em 2013
Além do júri desta semana, até o final do ano
o juiz do caso estima que os demais réus
sejam julgados. A cisão do julgamento em
quatro etapas foi adotada tendo em vista que,
segundo a acusação, grupos distintos da
Polícia Militar foram responsáveis pela morte
de presos em diferentes pavimentos do
pavilhão 9.
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