Em dezembro de 1498, uma frota de oito
navios, sob o comando de Duarte Pacheco
Pereira, atingiu o litoral brasileiro e chegou a
explorá-lo, à altura dos atuais Estados do Pará
e do Maranhão. Essa primeira chegada dos
portugueses ao continente sul-americano foi
mantida em rigoroso segredo. Estadistas
hábeis, os dois últimos reis de Portugal entre
os séculos 15 e 16 - D. João II e D. Manuel I -
procuravam impedir que os espanhóis
tivessem conhecimento de seus projetos.
Pouco depois do retorno de Vasco da Gama a
Lisboa, em agosto de 1499, D. Manuel I, em
parceria com investidores particulares,
organizava uma nova expedição para Calicute.
Decidido a impressionar o monarca local, ou
a convencê-lo pelas armas, o rei enviava
agora uma expedição ostensivamente rica e
poderosa, composta de 13 navios com uma
tripulação estimada entre 1.200 e 1.500
homens.
Seu comando foi confiado a um fidalgo de 33
anos, chamado Pedro Álvares Cabral. A bordo,
estavam presentes alguns dos mais
experientes navegadores portugueses, como
Bartolomeu Dias, o mesmo que dobrou o
cabo da Boa Esperança, atingindo pela
primeira vez o oceano Índico.
A partida da armada de Cabral foi programada
para 8 de março de 1500, embora tenha sido
adiada para o dia seguinte, devido ao mau
tempo. Uma cerimônia espetacular foi
organizada na ocasião pelo rei de Portugal.
Toda a população de Lisboa - cerca de 60 mil
pessoas - foi convocada para assistir a ela, o
que era uma forma de oficializar o
pioneirismo português no caminho da Índia,
assegurando para o reino luso os direitos do
comércio com o Oriente.
Cabral chega ao Brasil
Rumo ao Ocidente, a frota chegou às ilhas
Canárias cinco dias depois da partida e
dirigiu-se para o arquipélago de Cabo Verde,
onde uma nau desapareceu no mar. Após
tentar em vão encontrá-la, o comandante
decidiu seguir a viagem. Cruzou a linha do
Equador a 9 de abril, seguindo uma rota para
o sudoeste que avançava nessa direção,
comparativamente ao caminho seguido por
Vasco da Gama.
No entardecer do dia 22 de abril, ancorou em
frente a um monte, batizado de Pascoal, no
magnífico cenário do litoral Sul do atual
estado de Bahia. Antes de continuar a viagem
para a Índia, os navegantes permaneceriam ali
até o dia 2 de maio, tomando posse da terra,
"em nome de d. Manuel I e de Jesus Cristo".
Assim, a chegada de Cabral ao Brasil é dois
anos posterior à de Duarte Pacheco. Além
disso, o atual território brasileiro já era
habitado desde tempos pré-históricos. Cinco
milhões de índios espalhavam-se
particularmente ao longo do litoral, em 1500.
Por isso é preciso relativizar a idéia de que
ocorreu um descobrimento a 22 de abril. Na
verdade, a data marca a tomada de posse das
terras brasileiras pelo reino de Portugal, o
que significa a integração do país no contexto
da história européia e global.
Cabral chegou ao Brasil por acaso?
Durante muitos anos, um outro aspecto da
viagem de Cabral provocou polêmica: a
chegada dos portugueses ao Brasil teria
ocorrido devido ao acaso?
Atualmente, à luz dos fatos conhecidos, a
teoria da intencionalidade já conta com o aval
da ciência.
Em primeiro lugar, porque D. Manuel já
estava informado a respeito da viagem de
Duarte Pacheco e da chegada de Colombo ao
Caribe, bem como recebera informações da
viagem de Vasco da Gama, que observara
indícios de terra firme ao passar ao largo da
costa brasileira a caminho da Índia.
Além disso, vários outros elementos
concorrem para aumentar as probabilidades
da hipótese de Cabral ter outra missão a
realizar no Atlântico, antes de seguir para o
oceano Índico. Entre outros, podem ser
citados:
as instruções confidenciais transmitidas pelo
rei ao capitão-mor da armada, que jamais se
tornaram conhecidas;
a permanência da frota na terra por uma
semana, demora que não se justificaria caso o
único objetivo de Cabral fosse atingir
rapidamente Calicute; e
o grande interesse demonstrado em
conquistar a simpatia dos indígenas
brasileiros. A esquadra de Cabral deixou no
Brasil dois degredados, com o objetivo de
aprender a língua dos índios e recolher
informações sobre o seu modo de vida.
Troca de gentilezas: inicia o escambo
A chegada ao Brasil, o desembarque e a
estadia dos portugueses na terra foram
documentados por vários integrantes da
expedição, que escreveram cartas ao rei
relatando os fatos. Somente três desses
depoimentos chegaram até a atualidade. A
"Carta de Achamento do Brasil", de Pero Vaz
de Caminha, escrivão da armada, é o mais
rico em detalhes.
De acordo com a narrativa de Caminha, a 21
de abril, os navios encontraram os primeiros
indícios de terra: um tapete flutuante de algas
marinhas, conhecidas dos marinheiros pelos
nomes de "botelhos" e "rabos-de-asno". Na
manhã seguinte, avistaram-se "fura-buchos",
ou gaivotas, e, de tarde, o monte alto a que
"o capitão deu o nome de Pascoal".
Ali os portugueses ancoraram e passaram a
noite, a uma distância de 36 quilômetros da
costa. No dia 23, veio a terra Nicolau Coelho,
um navegador experiente, que travou o
primeiro contato com um grupo de índios:
"eram pardos, todos nus, sem coisa alguma
que lhes cobrisse as suas vergonhas. Traziam
nas mãos arcos e setas".
O primeiro contato foi breve e amigável.
Apesar do barulho da arrebentação do mar e
do desconhecimento das respectivas línguas,
tupiniquins e portugueses conseguiram se
entender trocando presentes.
Conforme Caminha, "Nicolau Coelho somente
lhes pôde dar então um barrete vermelho,
uma carapuça de linho que levava na cabeça e
um sombreiro preto. E um deles lhe deu um
sombreiro de penas de ave, com uma
copazinha pequena de penas vermelhas e
pardas como de papagaios, e um outro deu-
lhe um ramal grande de continhas brancas,
miúdas, parecidas com as de aljôfar".
Índios a bordo
No segundo contato entre brancos e índios
aconteceu na noite do dia seguinte, no lugar
a que os portugueses chamaram de Porto
Seguro.
Ao explorar a região onde pretendiam
ancorar, o piloto Afonso Lopes "tomou,
então, dois daqueles homens da terra,
mancebos e de bons corpos, que estavam
numa jangada".
Os índios foram levados a bordo da nau
capitânea e apresentados a Cabral e a alguns
dos principais da armada. "Mostraram-lhes
um papagaio pardo que o Capitão traz
consigo: pegaram-no logo com a mão e
acenavam para a terra, como a dizer que ali
os havia. Mostraram-lhes um carneiro: não
fizeram caso dele; uma galinha: quase tiveram
medo dela - não lhe queriam tocar, para logo
depois tomá-la, com um grande espanto nos
olhos."
Primeira missa realizada no Brasil
Entre 24 e 25 de abril, um número maior de
portugueses foi à terra e os contatos com os
índios foram freqüentes. Na impossibilidade
de comunicação lingüística, as tentativas de
entendimento se basearam na troca de
produtos entre índios e portugueses.
No dia 26, o primeiro domingo após a
Páscoa, por ordem do capitão, o frade
franciscano Henrique Soares de Coimbra
rezou uma missa, no ilhéu da Coroa Vermelha,
assistida pela tripulação e, à distância, em
terra firme, por cerca de 200 índios, dos
quais, ao final da missa, "muitos se
levantaram e começaram a tocar corno ou
buzina, saltando e dançando por um bom
tempo".
A tarde continuou em clima de
confraternização: "Passou-se, então, além do
rio, Diogo Dias que fora tesoureiro da Casa
Real em Sacavém, o qual é homem gracioso e
de prazer; e levou consigo um gaiteiro nosso
com sua gaita. Logo meteu-se com eles a
dançar, tomando-os pelas mãos; e eles
folgavam e riam, e o acompanhavam muito
bem ao som da gaita. Depois de dançarem,
fez-lhe ali, andando no chão, muitas voltas
ligeiras e o salto mortal, de que eles se
espantavam muito e riam e folgavam."
Ao som de um tamborim
O caráter festivo dos encontros entre brancos
e índios foi a regra durante todos os dias em
terra, embora portugueses não deixassem de
manter uma postura de desconfiança.
Segundo o escrivão, "na quinta-feira,
derradeiro dia de abril, [...] enquanto ali
andavam, dançaram e bailaram sempre com
os nossos, ao som de um tamborim nosso,
como se fossem mais amigos nossos do que
nós seus".
Em outro trecho de sua carta, três parágrafos
antes, Caminha havia esclarecido que
"estavam já mais mansos e seguros entre nós
do que nós estávamos entre eles".
Em meio a essas festividades, os portugueses
cuidaram também de preparar os navios para
o prosseguimento da viagem. Em 1º de maio,
ocorreu a cerimônia de posse oficial da terra.
Uma grande cruz de madeira, com as armas
reais de D. Manuel, foi erguida na baía
Cabrália e Frei Henrique de Coimbra celebrou
sua segunda missa. Os índios a assistiram
numa atitude reverente que impressionou os
portugueses.
Por sua vez, estes os presentearam com
crucifixos de estanho. No dia seguinte, pela
manhã, a esquadra partiu, deixando em terra
dois degredados - condenados à morte que
trocavam sua pena pelo exílio em terras
desconhecidas. Para ambos, a situação era
dramática: choravam muito, precisando ser
consolados pelos índios. Só seriam resgatados
dois anos mais tarde, em novembro de 1501,
pela segunda expedição portuguesa ao Brasil.
Além deles, permaneceram na terra outros
dois portugueses, que desertaram e cujo
destino é desconhecido. Com a armada,
Cabral seguiu rumo à Índia. A nau de
mantimentos, sob o comando de Gaspar de
Lemos, separou-se da esquadra, com o
objetivo de retornar a Lisboa e comunicar ao
rei o "achamento", palavra empregada nos
textos da época. A 23 de maio, a armada
atingia o Cabo da Boa Esperança, onde foi
colhida numa tempestade que fez três
embarcações naufragarem. Numa delas,
estava Bartolomeu Dias que, assim, acabou
sepultado justamente no local que o fez
passar à história.
Terra dos Papagaios
Somente em setembro os portugueses
atingiriam Calicute. Enfrentaram a hostilidade
dos comerciantes muçulmanos que resultou
num ataque à feitoria estabelecida pelos
portugueses, em dezembro de 1500 (nele
morreu o escrivão Pero Vaz de Caminha).
Ainda assim, a viagem de Cabral - que se
encerrou em julho de 1501, com a chegada
do comandante a Lisboa - foi coroada de
êxito comercial e deu início ao comércio
regular entre Portugal e a Índia. Os lucros por
ele proporcionado fizeram com que o Brasil
não ocupasse maior atenção dos portugueses
durante quase 30 anos - período chamado de
pré-colonial.
O território que Cabral chamou de Vera Cruz,
rebatizado de Santa Cruz pelo rei, foi visitada
por portugueses, espanhóis e franceses
durante esse período. Os documentos e mapas
da época mencionam-na dessa maneira, ou
ainda como Terra dos Papagaios, como
aparece em documentos de comerciantes e
diplomatas florentinos. Data de 1512 o
primeiro manuscrito a utilizar o termo Brasil,
difundido oralmente pelo povo e que
suplantaria gradualmente os outros, batizando
definitivamente o país.
segunda-feira, 22 de abril de 2013
Descobrimento do Brasil: Cabral não foi o primeiro a chegar ao país
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