segunda-feira, 15 de abril de 2013

"Policiais gritavam como se marcassem um gol", diz agente penitenciário do Carandiru

Os policiais militares da Rota que entraram no
pavilhão 9 do Carandiru a pretexto de conter
uma rebelião de presos em outubro de 1992
desrespeitaram uma comissão de negociação
que se formava para tentar mediar o conflito
e "gritavam como índios, ou como se
marcassem um gol".
As afirmações foram feitas pelo agente
penitenciário Moacir dos Santos, funcionário
da antiga Casa de Detenção do Estado à época
em que 111 presos foram mortos por policiais
militares. Santos é a quarta testemunha de
acusação ouvida nesta segunda-feira (15) no
júri popular de 26 PMs acusados pela
morte de 15 presos que estavam no
primeiro andar do pavilhão. O julgamento
acontece no Fórum Criminal da Barra Funda,
zona oeste de São Paulo, e é o primeiro de
uma série de quatro júris que serão realizados
até o final do ano sobre o caso, marcado
como o pior na história do sistema
penitenciário brasileiro.

De acordo com o agente penitenciário, não
houve rebelião no presídio no dia da invasão
da polícia, como alegou o Estado, à época, e
como sustenta a defesa dos réus. Segundo ele,
houve um "acerto de contas" entre duas
facções rivais, de modo que mesmo
funcionários do complexo, em nenhum
momento, foram mantidos reféns pelos
internos.
Conforme a testemunha, formou-se uma junta
de negociação composta pelo então secretário
de Segurança, Pedro Franco de Campos, pelo
secretário adjunto, Antonio Filardi Diniz, por
dois juízes e pelo coordenador do presídio.
"Passei para ele [um dos PMs] quem estava no
pátio e quem estava na briga. Quando abriu o
portão, tudo o que tinha sido combinado
entre as autoridades caiu por terra –vi presos
rendidos sendo metralhados", afirmou a
testemunha, referindo-se a internos que
estavam no pátio, fora da briga, voltando de
áreas como a capela ou o campo de futebol.
"Não respeitaram nem o coronel Ubiratan
[Guimarães]", disse, referindo-se ao
comandante da operação, assassinado em
2006, em São Paulo.
Indagado pelo juiz José Augusto Marzagão se
os presos gritavam a ponto de não se
estabelecer um diálogo audível entre as
partes, o agente negou: enfatizou que a
"euforia" era apenas dos policiais, uma vez
que os internos já haviam jogado armas
brancas que estavam com eles nas celas.
"As camas, metralhadas, pareciam
peneiras"
Para a testemunha, as autoridades
trabalharam para que a perícia no local do
massacre fosse prejudicada. A exemplo de
sobreviventes que testemunharam hoje, ele
também afirmou que presos foram obrigados
a arrastar corpos pelas escadas, a fim de que
fossem levados ao IML (Instituto Médico
Legal), mas salientou que os cadáveres foram
destinados "a três IMLs diferentes para
despistar os repórteres e os familiares dos
presos".

"Às 19h, já sabiam que era mais de uma
centena de mortos. Só nos deixaram entrar no
presídio às 23h", afirmou.
Indagado pelo juiz se acreditava que o lapso
de tempo para permissão de acesso era
intencional, o agente resumiu: "Se os presos
foram mortos dentro das celas e se
demoraram três, quatro horas para nos
deixarem entrar, acredito que não queriam de
fato que soubéssemos onde os presos foram
mortos. Mas as marcas de projéteis estavam
lá, as camas, todas furadas, pareciam
peneiras", disse.
A testemunha relatou que, na operação de
rescaldo, os funcionários verificaram que uma
das celas estava trancada. Abriram, e havia 11
presos dentro –todos, mortos a tiros.
O agente penitenciário disse ainda acreditar
em uma razão específica para que o resultado
da operação, finalizada pouco após as 2h do
dia 3 de outubro daquele ano, só fosse
divulgado pelas autoridades no dia seguinte,
no final da tarde: era dia de eleições
municipais. "Tinham que despistar", disse.
Outras testemunhas
Primeira testemunha a depor no julgamento,
o ex-detento Antonio Carlos Dias, 47, afirmou
que viu "muitos presos" serem mortos por
policiais militares enquanto "escalavam
pilhas de corpos" de internos vítimas do
massacre.
Já o pedreiro Marco Antonio de Moura, 44,
outro sobrevivente do massacre do Carandiru,
contou que, embora ferido, não ergueu os
braços quando os PMs perguntaram quem
estava ferido. "Os presos que estavam feridos
e ergueram as mãos nós nunca mais vimos",
disse. Ele afirma que foi salvo por um "anjo
da guarda" .
Além desses, há mais 10 testemunhas de
acusação --entre elas oito vitimas e o perito
Osvaldo Negrini. Já a defesa arrolou dez
testemunhas, entre elas o ex-governador Luiz
Antônio Fleury Filho e o ex-secretário de
Segurança Pública Pedro Franco de Campos.
Júri terá seis homens e uma mulher
O Conselho de Sentença que decidirá o futuro
dos 26 policiais militares será composto por
seis homens e uma mulher --a grande maioria
jovens, aparentando idades entre 20 e 30
anos.
Dois dos réus não compareceram à sessão. Os
que estão presentes entraram pelos fundos do
fórum, longe da imprensa e do acesso do
público ao prédio.
Os jurados foram selecionados em um grupo
de 50 pessoas convocadas pela Justiça. Eles
devem ter no mínimo 18 anos completos --
menos, portanto, que os mais de 20 anos e
seis meses decorridos do episódio classificado
em 2000 como massacre por parte da OEA
(Organização dos Estados Americanos).
O júri chegou a começar na última segunda
(8), mas teve que ser adiado porque uma
jurada passou mal e foi dispensada . Pelas
regras judiciárias, uma vez sorteados os sete
jurados que formam o Conselho de Sentença,
a saída de algum deles implica em se formar
um novo conselho.
Para isso, o Tribunal de Justiça de São Paulo
convocou mais 33 pessoas, além de 17 das 50
convocadas semana passada, a fim de realizar
novo sorteio.

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